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Lendo o Livro Vermelho de C.G. Jung

O Livro Vermelho

O texto original em inglês foi extraído do site Psychology Today (psychologytoday.com), repleto de artigos interessantes escritos com profundidade por especialistas da área de enfoque da página, a psicologia. O texto em questão discorre sobre o Livro Vermelho, uma obra intrigante do famoso psicanalista Carl Gustav Jung que é, na verdade, como um diário de bordo que ele preencheu ao longo de sua misteriosa jornada pela própria mente. O autor do texto original é o Ph.D Stephen A. Diamond, licenciado em psicologia clínica e psicologia forense.

 

Reading The Red Book: How C.G. Jung Salvaged His Soul

Is the Red Book a record of Jung´s flirtation with madness?

Lendo o Livro Vermelho: Como C.G. Jung resgatou sua alma

Seria o Livro Vermelho um registro de um flerte de Jung com a loucura?

The recently published and impressive-looking Red Book (2009) tells the personal story of psychiatrist C.G. Jung's insidious descent into what many believe to have been madness, and his eventual triumphant return to the world a transformed man. This alchemical process took almost twenty years, starting shortly after the acrimonious split from Sigmund Freud and the Freudians when Jung was in his late thirties. This loss catalyzed what Jung would come to call a massive "mid-life crisis”, in which much of his libidinal energies were withdrawn from the outer world and redirected inwardly to his inner life.


O impressionante Livro Vermelho, publicado recentemente (2009), conta a história pessoal da perigosa jornada do psiquiatra C.G. Jung rumo ao que muitos acreditam ser loucura, e seu triunfante retorno ao mundo, transformado num novo homem. Esse processo alquímico durou quase vinte anos, tendo início logo após a amarga cisão com Sigmund Freud e os freudianos, quando Jung chegava aos quarenta anos de idade. Essa perda catalisou o que Jung chamaria uma severa “crise da meia-idade”, em que a maior parte de suas energias libidinosas foram retiradas do mundo exterior e redirecionadas para dentro, para sua vida interna.


Prior to this terrifying and unwelcome journey into the hellish depths, Jung had, as he recalls, accomplished everything he had ever set out to do in the world and had all that he ever wanted: professional success, fame, marriage, children, wealth, prestige, etc. But he unexpectedly came to a critical juncture in his life that forced him to recognize that this was not enough. Some vital part of him had been denied. That in achieving these ego-centered outer accomplishments and material acquisitions in life's first half, he somehow lost touch with his soul.


Antes de empreender essa viagem aterradora e inesperada rumo às profundezas infernais, Jung, conforme ele recorda, já havia atingido tudo o que havia proposto a si mesmo e tinha tudo o que sempre quisera: sucesso profissional, fama, casamento, filhos, riqueza, prestígio etc. Entretanto, de forma inesperada, ele chegou a uma encruzilhada em sua vida que o forçou a reconhecer que isso não era suficiente. Alguma parte essencial nele havia sido negada; ao atingir todos esses objetivos externos e materiais voltados para o ego na primeira metade da vida, ele de alguma forma havia perdido contato com sua alma.


The Red Book is a very personal record of Jung's complicated, tortuous and lengthy quest to salvage his soul, and a first-hand description of a process that would later fundamentally inform Jung’s unique approach to psychotherapy he called Analytical Psychology. As Jung (1957) put his life's work in retrospect, "everything later was merely the outer classification, the scientific elaboration, and the integration into life. But the numinous beginning, which contained everything, was then."


O Livro Vermelho é um registro muito pessoal da jornada complicada, tortuosa e longa que Jung empreendeu para resgatar sua alma e uma descrição em primeira mão de um processo que mais tarde daria fundamento à singular abordagem de Jung à psicoterapia, que ele chamou de Psicologia Analítica. Conforme o próprio Jung afirmou, ao refletir sobre a sua vida (1957), “tudo o que aconteceu depois foi meramente a classificação externa, a elaboração científica e a integração à vida. Mas o início misterioso, que continha tudo, deu-se naquela época.”


Jung's style of writing in the Red Book resembles that of philosopher Friedrich Nietzsche in Thus Spake Zarathustra, a book he had read and obviously been profoundly influenced by. It is basically an inner dialogue with himself, with his unconscious, his complexes, his "demons," his soul, those personal and archetypal aspects of his personality that had been neglected, denied or underdeveloped, and with what he calls the "spirit of the depths."


O estilo da escrita de Jung no Livro Vermelho lembra a do filósofo Friedrich Nietzche em Assim falou Zaratustra, um livro que ele lera e pelo qual obviamente foi influenciado. Trata-se basicamente de um diálogo interno consigo mesmo, com seu inconsciente, seus complexos, seus “demônios”, sua alma, aqueles aspectos pessoais e arquetípicos de sua personalidade que haviam sido negligenciados, negados ou não desenvolvidos, e com o que ele chamou “espírito das profundezas”.


Each of these repressed elements of his psyche manifest in dreams and waking visions as vivid images, many of which Jung--who had studied art and painting as a young man--depicts vibrantly in his journal, leading eventually to the technique of encouraging his patients in analysis to draw or paint images from their own dreams. Jung's therapeutic technique of active imagination stems directly from these sometimes frightening but edifying and enlightening conversations with himself.


Cada um desses elementos reprimidos de sua psique manifestam-se em sonhos e visões como imagens vívidas, muitas das quais Jung – que havia estudado arte e pintura quando jovem – representa em cores vibrantes em seu diário, o que levou, mais tarde, à técnica de encorajar seus pacientes sob análise a desenhar e pintar imagens de seus próprios sonhos. A técnica terapêutica de Jung da imaginação ativa é resultado direto dessas conversas assustadoras mas edificantes consigo mesmo.


Prominent Jungian analyst and scholar Andrew Samuel noted recently that as the fiftieth anniversary of Jung's death (June 6, 1961) approaches hot on the heels of the controversial publication of his Red Book, there is likely to be renewed speculation regarding Jung’s mental state during this time period. For most Jungians, this is an extremely touchy subject.


O renomado analista e acadêmico junguiano Andrew Samuels observou recentemente que, como o 50º aniversário da morte de Jung (6 de junho de 1961) se aproxima da controversa publicação de seu Livro Vermelho, é provável que se renove a especulação acerca do estado mental de Jung durante esse período. Para a maioria dos junguianos, esse é um assunto extremamente delicado.


The suggestion by some that Jung suffered a psychotic break after his traumatic break with Freud is furiously disputed, taken as a vicious slur and gross misunderstanding of what actually happened. Jung, they argue, spuriously and naively in my opinion, wasn't psychotic because he consciously and willingly chose to confront the unconscious, deliberately delving into its uncanny depths while, at the same time, always remaining tethered to reality.


A suposição, por parte de alguns, de que Jung sofreu um surto psicótico após seu dramático rompimento com Freud é acaloradamente combatida, entendida como um insulto e um grande mal-entendido do que realmente aconteceu. Jung, argumentam eles, duvidosa e ingenuamente, em minha opinião, não era psicótico porque conscientemente e por vontade própria escolheu confrontar o inconsciente, investigando suas profundezas misteriosas enquanto permanecia ligado à realidade.


This is partly true. There is no doubt that during this devastating period in his life, Jung was deeply depressed, and inundated to the point of being overwhelmed at times by these powerfully intrusive images, thoughts and feelings, which, as he put it, "burst forth from the unconscious and flooded me like an enigmatic stream and threatened to break me."


Isso é verdade em parte. Sem dúvida, durante esse período devastador em sua vida, Jung estava profundamente deprimido e tenso ao ponto de ficar, em certos momentos, sobrecarregado com essas imagens, pensamentos e sentimentos poderosamente intrusivos que, como ele descreveu, “explodiam no inconsciente e me inundavam como uma corrente enigmática que ameaçava me destruir.”


And there is also no doubt that this extremely introverted (a necessary compensation for his former excessive extraversion), treacherous state of mind (see my prior post on the dangers of the unconscious) that took almost total hold of Jung affected his reality testing, impaired his psychosocial functioning, caused him to consider suicide, and forced him to withdraw from most of his former worldly activities, with the exception of his family and, oddly enough, his private practice.


E também não se pode duvidar de que esse estado mental extremamente ameaçador e introvertido (uma compensação necessária para a sua extroversão excessiva de antes) que assumiu o controle absoluto de Jung afetou sua capacidade de testar a realidade, dificultou seu funcionamento psicossocial, fez com que ele considerasse o suicídio e forçou-o a privar-se da maioria de suas atividades mundanas de antes, com exceção da sua família e, estranhamente, seu trabalho como psicanalista particular.


Indeed, two of the things that likely kept Jung's head above water and feet more or less on the ground during these difficult and disorienting years--other than writing regularly in the Red Book--were his wife and children and daily sessions with troubled patients seeking his psychiatric assistance. As I sometimes tell my students, one of the perks of being a psychotherapist is that spending so much time focusing on helping with other people's problems prevents us from dwelling too much on our own.


De fato, duas das coisas que provavelmente mantiveram a cabeça de Jung acima da água e os pés mais ou menos no chão durante esses anos difíceis e desnorteantes – além de escrever o Livro Vermelho – foram sua esposa e seus filhos e as sessões diárias com pacientes problemáticos buscando sua assistência psiquiátrica. Como eu digo algumas vezes aos meus alunos, uma das vantagens de ser um psicoterapeuta é que passar tanto tempo dedicando-se a ajudar as outras pessoas com seus problemas nos impede de ficarmos envolvidos tempo demais com os nossos próprios problemas.


It seems probable to me that Jung did experience some so-called psychotic symptoms during these dark days, including hallucinations. But having said that, there is nothing pejorative intended. Indeed, to me, denying the depth of Jung's despair and severe psychic disturbance tends to undercut the power and importance of his monumental achievement: Rather than being defeated by it as are most, Jung stared psychosis in the face, unflinchingly confronted and explored what he found there, and ultimately came out the other side stronger, wiser, and more whole.


Parece provável para mim que Jung vivenciou alguns dos chamados sintomas psicóticos durante esses dias sombrios, inclusive alucinações. Mas não há nessa afirmação qualquer intenção pejorativa. De fato, para mim, negar a profundidade do desespero e do distúrbio psicótico de Jung tende a enfraquecer o poder e a importância dessa conquista monumental: ao invés de ser derrotado por isso como ocorre com a maioria, Jung encarou a psicose de frente, confrontou e explorou sem hesitar o que encontrou lá e, por fim, retornou do outro lado mais forte, mais sábio e mais inteiro.


What he discovered were manifestations of both his personal and collective unconscious. In this sense, he demonstrated by personal example that the enigmatic phenomenon we call "psychosis" is often about being completely inundated or possessed by the personal and archetypal unconscious rather than caused by a genetically predisposed biochemical imbalance or "broken brain," that it has psychological and spiritual significance, meaning and purpose, and that it can potentially be psychotherapeutically treated with the proper skills, commitment and knowledge.


O que ele descobriu foram manifestações tanto de seu inconsciente pessoal quanto do coletivo. Nesse sentido, ele demonstrou por meio do exemplo pessoal que o fenômeno enigmático a que chamamos “psicose” se dá, frequentemente, quando somos inundados ou possuídos pelo inconsciente arquetípico ao invés de causado por um desequilíbrio bioquímico a que o indivíduo é geneticamente predisposto ou, ainda, por um “cérebro danificado”. Demonstrou que a psicose tem uma significação psicológica e espiritual, sentido e propósito, e que ela tem o potencial de ser tratada, por meio da psicoterapia, com as habilidades, o compromisso e o conhecimento adequados.


C.G. Jung's Red Book begins as a detailed log of one man's personal, lonely nekyia or night sea journey to the underworld and ends with his heroic return to the outer world renewed, much like a latter day Dante, Jonah or Ulysses. This, as he came to understand, is an excellent description of what real psychotherapy is or can be all about.


O Livro Vermelho de C.G. Jung é um diário de bordo da viagem solitária de um homem ao mundo subterrâneo e termina com o seu retorno triunfal ao mundo objetivo, renovado, como um Dante, um Jonas ou um Ulisses dos tempos modernos. Isso, como entendemos, é uma excelente descrição do que uma verdadeira psicoterapia é ou poderia ser.



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